Uma
singela fumaça esbranquiçada deslizou dos lábios dela, devido à noite
extremamente fria que Londres tinha. Suas pequenas mãos pareciam que iam
congelar a qualquer momento, igualmente seus pés. Ela sorriu ao vê-lo tirando o grosso casaco que vestia e
dando-lhe de um modo meio sem jeito. “Obrigada”, sussurrou quase que
silenciosamente, enquanto sua voz se perdia entre as buzinas e motores de uma
rua movimentada.
―
Para onde você quer ir? ― Questionou Richard, mirando à pequena. A mesma
contemplava o céu acinzentado e perdia-se na própria imaginação, sem realmente
prestar atenção no mais velho. ― Kaley. ― Chamou-a, finalmente obtendo a
atenção da mesma. ― Para onde quer ir?
―
Para as estrelas. ― Respondeu, singelamente. Um riso meio seco e enferrujado
soou, fazendo outra risada doce soar no meio de toda imensidão cinzenta e
barulhenta da cidade grande.
―
Por enquanto eu não consigo te levar para lá, então escolha um local mais
perto. ― Pediu carinhosamente. Recebendo um sorriso leve, quase que surreal.
As
estrelas seriam um bom lugar para ir, pensou Richard, poderiam percorrer a
imensidão negra do Universo e jamais voltarem para Inglaterra ou qualquer outro
lugar da Terra. Viveriam eternamente entre as mais brilhantes e grandiosas
estrelas, fazendo delas um local seguro e confortável. Como uma casa. Acordando dos próprios devaneios, o homem viu a
adolescente correr pela calçada coberta de neve e entrar em um pequeno
estabelecimento.
―
Espere pequena Kaley.
Ao
entrar no pequeno café, deparou-se com a garota, já sentada em um local
afastado da porta, sem seu casaco e sem o cachecol preto que até então estava
enrolado em seu pescoço. O mesmo foi até a mesa e sentou-se enfrente a menina,
sorrindo e desviando o olhar rapidamente, ao ver uma garçonete chegando.
―
O que vão querer?
―
Um chocolate quente com chantilly. ― Pediu Kaley.
―
E o senhor?
―
Um café puro.
Ambos
se miraram quando a garçonete saiu dali e sorriram. Cúmplices.
―
Você tem planos para hoje Richard? ― Perguntou. Sem malicia alguma, apenas
curiosa. As mãos inquietas tomavam alguns saches de açúcar que havia sobre a
mesa e as ordenavam lado a lado, sem realmente notar o que fazia. ― Eu queria
andar de metrô, nunca andei, então você poderia me levar, não poderia? Se não tiver nenhum plano.
―
Não acho uma boa ideia.
O
silêncio se fez presente, devido aos pedidos chegarem e assim que a garçonete
saiu, a garota de 19 anos fez uma cara triste e resolveu desviar sua mirada
para o chantilly que havia sobre o chocolate quente em uma xícara.
―
Por quê? ― A voz saiu rouca, quase que chorosa.
―
Tenho 35 anos, não deveria nem estar aqui, tomando esse café com você. Sou mais
velho e seu tutor de pesquisa.
―
Mas eu não me importo.
―
Mas o reitor da Universidade, seus pais e varias outras pessoas se importam.
O
silêncio surgiu e permaneceu durante alguns minutos longos e tediosos, fazendo
Richard tomar sua xícara de café inteira e Kaley conseguir acabar com o
chantilly e quase com metade da xícara de chocolate. Richard repensou na sua resposta e deparou-se com a vontade de levá-la para algum lugar, algum lugar bonito e que a fizesse se sentir especial.
―
Você quer ir paras estrelas? ― Perguntou Richard, interrompendo o silêncio,
fazendo um sorriso sincero desenhar-se nos lábios da menina.
―
Quero.
―
Então vamos.
Richard
deixou uma nota equivalente ao valor do que haviam pedido sobre a mesa e puxou a menina
pelas mãos. O casaco e o cachecol foram levados pela mão livre da garota,
enquanto saiam do pequeno café e iam em direção a uma escada que os levariam para
o metrô.
Por
ser noite, o vagão que pegaram estava praticamente vazio, os fazendo ter
liberdade para sentar onde queriam. Kaley optou por brincar entre as barras de
metais e ser um pouco criança ao se libertar dos problemas e deveres da
Universidade, onde era do grupo de pesquisa de física. Richard acompanhava
atentamente os movimentos infantis e alegres da garota, sorrido e esquecendo-se
que era tutor de toda pesquisa de Kaley e do grupo da mesma.
―
Nunca tinha andado de metrô. ― Revelou a garota, finalmente parando e ficando
parada enfrente ao mesmo.
―
Nunca? ― Espantou-se.
―
Nunca. É a primeira vez.
―
O que mais você nunca fez?
Kaley
era uma garota da alta sociedade britânica, tendo motoristas e empregados a sua
disposição. Estar ali, em um vagão de metrô, brincando, era algo quase que
surreal e inimaginável até então para ela. Talvez sorte. Sorte de ter Richard
para livrá-la de toda bolha que seus pais haviam feito ao redor dela.
―
Nunca fui a parques. Esses ilegais, que tem pelos bairros pobres de Londres. ―
Revelou, sentindo as bochechas vermelhas.
―
Não são ilegais, são apenas parques de pessoas normais. ― Comentou. ― Se
prepara que na próxima estação vamos descer.
―
E para onde vamos?
―
Vamos ir para estrelas essa noite Kaley.
Um
sorriso dela surgiu. E apenas esse sorriso bastou para Richard perceber que não adiantava mais
tentar fugir. Ela havia conseguido derrubar suas barreiras e o encantar com
toda infantilidade que tinha.
Ao
descerem do vagão, Kaley vergonhosamente pegou na mão de Richard e entrelaçou
seus dedos, vendo-o hesitar por um momento, mas apertar seus dedos como se
houvesse gostado daquele pequeno contato.
Estavam
em um bairro do subúrbio e em um vasto terreno, havia um parque. Havia poucas
crianças devido ao Inverno, mas as que estavam ali, corriam e gritavam
alegremente. Kaley pareceu perdida e se encolheu no ombro de Richard ao levar
um susto com um vendedor de algodão doce que passou gritando ao seu lado.
―
Escolhe que brinquedo quer ir.
Montanha-Russa.
Túnel do Amor. Brinquedos de pontaria, alvo, tiros. E por ultimo foram na Roda
Gigante. Quando chegaram ao topo, Richard olhou para o céu cinzento e sorriu ao lembrar-se do pedido da menina. Ela queria as estrelas e ele também queria.
Mas elas eram tão impossíveis de serem alcançadas, quase invisíveis no céu de
Londres, quase que inexistente para os humanos. Os dedos enlaçados aos seus o
fizeram perceber que não precisava ir para estrelas para se sentir longe de
todos na Terra, bastava a ter ali por perto.
―
Eu queria pular daqui e sair voando. ― Sussurrou para Richard, rindo.
―
Eu também. ― Riu.
―
Você é diferente quando estamos sozinhos, quando não estamos na Universidade.
―
Você me faz ser diferente quando estamos sozinhos.
Ambos permaneceram sorrindo, dentro de seus proprios pensamentos, enquanto a Roda Gigante se movimentava lentamente.
―
Já estamos nas estrelas. ― Avisou Kaley em tom de brincadeira, olhando para ele e o vendo
aumentar o sorriso. ― Obrigada por me trazer aqui.
―
Sempre que quiser, vamos viajar pelas estrelas e conhecer novos planetas.
―
Podemos voar?
―
É só você querer pequena Kaley.